Maria Isabel Fidalgo
Se de repente perto fosse um verbo
Se de repente perto fosse um verbo,
pedia-te que me pertasses
porque apertar é uma palavra pesada
e pertar é mais perto e mais curto o trajeto.
Perta-me e faz-me de febre
nas asas da tua embarcação
para que a viagem seja sal e suor
no corpo deslumbrado.
Não me dês braços, mas asas
que sobrevoem os anos
e gorjeiem nos ramos que ficaram pelo caminho gélidos como a carne da cal de inverno
que se rendeu ao sono polar.
Se perto fosse um nome, que fosse casa
onde o sol nos acordasse depois das mãos
ou depois da chuva, se fosse perto a água
e distante o exílio que matou o lume
da coluna de fogo onde eu quis arder.
Não esqueças o meu nome
Poética Edições, 2022, p. 55.
BIO
Natural de Barcelos e residente en Braga, Maria Isabel Fidalgo é licenciada en Lingua e Literatura Modernas. Apaixonada pola súa profesión, o ensino, e pola danza, é autora das obras Antes De Mim Um Verso, À Roda da Saia, Sou Viagem e Não Esqueças o Meu Nome; neste último poemario, figura a elixida como Mellor Poesía do Ano en Portugal. Na súa obra conviven, entre outros moitos, temas como o amor ou a paixón e adoita falarlle a unha segunda persoa do singular que, en ocasións, parece ser a propia persoa lectora.
ENTREVISTA
1. A poesia é a minha respiração. É uma necessidade absoluta. É uma forma de… de recriar o universo e de encontrar uma certa espiritualidade. A poesia dá-me isso tudo. Dá-me sossego, dá-me beleza, dá-me possibilidade de me recriar, de ser outra pessoa, de inventar novas formas de dizer o mundo, de o descrever, e uma enorme paz. Eu gosto muito de escrever. Eu acho que a minha morfologia já vinha marcada, e a minha genética já vinha marcada para a poesia. Porque o meu pai fazia versos, e extasiava-se a olhar para as estrelas à noite e levava-me com ele, e eu acho que tudo isso… tudo isso me marcou imenso, quer dizer comecei desde muito pequenina a fazer quadras e composições, e encontrar uma nova linguagem, uma nova maneira de dizer as coisas. Minha mãe dizia que eu já miúda utilizava muita metáfora, que às vezes às vezes até ficavam a pensar o que é que eu queria dizer com aquilo. Portanto esta vontade de recriar a linguagem… A palavra para mim é uma coisa extraordinária.
2. Eu acho que cada vez são mais poeta, acho que já não sei viver sem a poesia, mesmo que eu não faça poesia todos os dias. Eu estou aqui neste momento e estou a olhar para isto e com estas árvores que me rodeiam e estou já a pensar no que é que eu vou escrever sobre isto, quero dizer. É uma necessidade vital de olhar, de interiorizar, de me afastar da realidade.
3. Este livro é uma continuação dos outros que eu tenho publicado. É um livro que fala… é um livro muito pessoal. É um livro que retoma lugares já habituais em mim, que é o mar, a natureza… as mulheres. É um livro muito feminino, eu acho, como todos os meus livros, muitos femeninos, e é um livro de certa forma de amor, também. “Não esqueças o meu nome”, não esqueças o meu nome pode ser a própria poesia, não te esqueças de mim, não me abandones… Portanto o que eu posso dizer sobre o livro e sobre o título é que ele está intimamente relacionado com o eu, o eu que escreve, o eu que sente, não é? E que fala para a poesia. Não te esqueças do meu nome. É sobretudo isso. Porque quando eu digo que é um livro de amor, é um livro de amor; também há poesia, não é? Com outros cambientes afetivos, e inclusivamente a própria natureza, não é? A natureza aparece muito. Sobretudo a natureza aquosa. A água, o rio, a fonte… aparece muito muito. Talvez muito inspirada por escritores que eu li bastante e também com a Rosalía de Castro. Eu gosto muito da poesia da Rosalía de Castro. “Adios montes, adios terras, adios montes”. Ainda ontem estava a ouvir à noite e até me comovi, que é tudo aquilo que eu sinto, que eu gosto muito da natureza e da aldeia.
Que eu gosto muito da aldeia, do telúrico, da terra, e a Rosalía de Castro fala muito da terra, não é? “Adiós ríos, adiós fontes”, é muito linda a letra. Leio-a muito, leio-a muito, muitas vezes, e também a Sophia de Mello Breyner, por tudo que me influenciou bastante. Eugénio de Andrade, Miguel Torga, portanto há escritores que realmente me marcaram indelevelmente, mas os galegos também. E posso-lhe dizer que a minha… não sei que perguntas vai fazer a seguir, mas digo-lhe já que o meu amor à poesia também nasceu muito com a poesia galega, porque eu sou licenciada em românicas e portanto estudei muito a poesia trovadoresca, não é? E quando eu começo a ler aqueles poemas:
“Estava eu na Ermida de Sam Simiom
e cercarom-mi as ondas que grandes som
eu a atender o meu amigo
eu a atender o meu amigo”
E eu aquilo… eu tinha quinze anos e aquilo entrava de uma maneira muito grande.
“Digades, filha, mia filha velida:
Por que tardastes na fontana fria?
os amores ei.”
Fica tudo muito bonito.
“Bailemos nós já todas três, ai amigas,
sô aquestas avelaneiras frolidas,
e quen for velida como nós, velidas,
se amigo amar,
sô aquestas avelaneiras frolidas
verrá bailar.”
Portanto eu adorava aquilo. Vinha, cantava aquilo, dançava tal com as minhas amigas… Portanto a poesia galega entrou muito cedo na minha vida.
4. Se de repente perto fosse um verbo, portanto é o poema, não é? Nasceu um pouco por brincadeira. Porque eu brinco as minhas netas e há uma delas que dizia muitas vezes: Perta vovó, perta, aperta. E eu dizia…, eu pensei assim: “vou fazer um poema com este apertar, mas transformando”, mas foi de certa forma a miúda que me inspirou, e a partir daí fiz um poema de amor, que não ten nada já a ver com a neta, não é? Se de repente perto fosse um verbo, ela dizia “perta, perta vovó, anda cá para mais perto” e depois nesse dia à noite escrevi este poema, de que eu gosto. De que eu gosto visivelmente. Realmente. Acho que é poema original.
5. A cultura galega para mim é preciosa, é preciosa porque são muitos séculos de ligação entre Portugal e a Galiza, não é? E eu acho que, há que incentivar a criação de mais espaços para este convívio entre o galego e o português, porque realmente é riquíssima a literatura, a literatura galega. Eu gosto muito de escritores galegos, claro que conheço os mais antigos, não é? Como já se fiz referência á Rosalía de Castro, a Emilia Pardo [Bazán], que também gosto muito dela, não é? O Ramón Valle [Inclán], aqueles mais clássicos, não é? Os mais clássicos mas também gosto muito de alguns contemporâneos, e acho que a língua galega tem uma música, uma ternura que ultrapassa a língua portuguesa.
“Sedia la fermosa seu sirgo torcendo,
Sua voz manselinha,
cantigas de amigo dizendo.”
É tudo muito musical, muito doce, muito corrido, é lindo o galego realmente. Portanto esta ancestralidade não pode ser esquecida, ela tem que ser renovada cada vez mais.
6. Temos que encontrar pontes entre as duas culturas, cada vez mais. Porque são duas culturas riquíssimas, vastíssimas. Basta ler a literatura medieval para se perceber a riqueza que já existia nessa altura. Num princípio de nacionalidades, não é? E portanto esta ligação foi-se construindo durante os anos, claro que depois o galego, portanto houve uma autonomia das línguas, mas a verdade é que o galaico-português não morreu, ele continua vivo, não é? O galaico-português continua vivo até nas escolas que nós estudamos o galaico-português, não é? A gente ensina aos alunos e eles gostam das cantigas de amigo, e das cantigas de amor e das cantigas de escárnio, e é um espólio riquíssimo do ponto de vista psicológico, porque diz muito da alma galaico-portuguesa, que são irmãs. São duas línguas irmãs, e que não…, são quase a mesma siamesas, e que não podes… separadas mas juntas.