Tragam-me um homem que me levante com os olhos

Cláudia R. Sampaio

Tragam-me um homem que me levante com os olhos

Tragam-me um homem que me levante com
os olhos
que em mim deposite o fim da tragédia
com a graça de um balão acabado de encher
tragam-me um homem que venha em baldes,
solto e líquido para se misturar em mim
com a fé nupcial de rapaz prometido a despir-se
leve, leve, um principiante de pássaro
tragam-me um homem que me ame em círculos
que me ame em medos, que me ame em risos
que me ame em autocarros de roda no precipício
e me devolva as olheiras em gratidão de
estarmos vivos
um homem homem, um homem criança
um homem mulher
um homem florido de noites nos cabelos
um homem aquático em lume e inteiro
um homem casa, um homem inverno
um homem com boca de crepúsculo
inclinado de coração prefácio à espera de ser escrito tragam-me um homem que me queira em mim
que eu erga em hemisférios e espalhe e cante
um homem mundo onde me possa perder
e que dedo a dedo me tire as farpas dos olhos
atirando-me à ilusão de sermos duas
novíssimas nuvens em pé.

Ver no Escuro.
Tinta da China, Lisboa, 2016.

Desprazamento
Bottom Reached
PT