Sou mulher de vestígios fáceis e dignos

Cláudia R. Sampaio

Sou mulher de vestígios fáceis e dignos

Sou mulher de vestígios fáceis e dignos
os meus cabelos espelham a curva
de quem foi embora, evitando céus
as vezes entornadas em que os teus
risos demolhados deixaste
o mundo está por isso nos cabelos e
nas unhas enviesadas roídas pelos olhos.

Sou como as mulheres emparedadas ao
encontro dos cios
dizendo a carne aberta, enroladas em trapos
correndo brancas como casas glaciares perdidas,
gatas esguias desafiando cornos

Sou como as mulheres que sobem de
encontro ao peito
e se devoram de amor, abrindo em crucifixo
a vida
eu tenho andado de corpo aceso em
vislumbre
sentada entre as pernas que me deixaram
vazia
erguida num andaime triste

Assomei-me de esperança perdida saindo
de uma rotunda dos Anjos
a miséria à minha sombra galgando pão.
Se hoje somos lúcidos é porque desafiamos
praças à espera de alguém
e erguemo-nos em tudo de voz inteira e
loucura

Dói-me o mundo todo excepto a tua mão
a lavar-me por dentro
isso sabemos nós.

1025 mg​.
VII, Douda Correria, 2017

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