Maçãzinha (feat. Uxía)

Retimbrar

Maçãzinha (feat. Uxía)

BIO

Na cidade do Porto, un grupo de oito músicos leva desde o ano 2008 practicando algo chamado TugaBeat. Eles son Retimbrar, e o mentado TugaBeat é a súa música, unha na que importa a percusión, a música tradicional lusa e traer ao presente todo o que xa estaba no pasado. A súa vocación de mistura levounos a xogar con decenas de xéneros musicais, sempre desde a súa perspectiva baseada na percusión tradicional lusa. En “Maçãzinha”, a novena persoa en cuestión é Uxía, traballadora incansable en prol da renovación do folclore a tradición musical galega, e neste caso unha vez máis, en dotar de novos azos ás colaboración culturais galego-lusófonas.

ENTREVISTA

1. Então a forma como eu vivo a música é uma coisa que vem desde o berço quase desde que nasci, que ela existe e por isso também é um elemento com o qual cresci, porque a música esteve presente desde, desde os meus antepassados portanto é uma coisa que circula na família, e portanto até vir a estudar música ou até estudar com… estudar e entrar nesta pesquisa com os Retimbrar, que resulta no trabalho que temos hoje que já que já tem mais de doze anos… acaba por ser uma constante procura e também um exercício de aprendizagem permanente, porque eu comecei… Não sei se a tua pergunta se refere ao trabalho, à relação com a música pessoal ou em grupo, mas pessoalmente foi sempre com eles, e a nível pessoal sempre à procura de encontrar um instrumento que eu não domino mas aprendê-lo de forma a poder complementar o trabalho que eu faço a cantar ou vice-versa. Perceber como é que a voz pode acrescentar aos instrumentos que eu toco e encontrar… Pronto, não encontrar limites nas coisas que não sei fazer mas uma oportunidade de aprendizagem e pronto, e de ultrapassar sempre os meus obstáculos pessoais, mas perceber o que é que é preciso num grupo de maneira a poder trabalhar musicalmente ou… liricamente também me interessa muito como é que o texto, como é que a poesia pode também contribuir para o trabalho musical que faço sozinha e em grupo, mas, pronto, é uma coisa que vai ser uma busca pela vida fora.

Então, a minha relação com a música vem desde muito pequenino. A minha mãe… os meus pais foram ver um concerto do Stevie Wonder quando eu estava na barriga. Desde pequenino que adorei música e estava sempre a pedir para porem no rádio. É uma coisa que a vida toda me provocou muita excitação, e curiosidade, e magia, e mistério. Sempre quis ser músico, desde que pequenino, e felizmente, fui para escolas de música desde pequenino e consegui seguir esse caminho e é isto que felizmente ainda continuou a fazer e quero fazer a vida toda; é realmente a coisa que mais me dá sentido à vida, para além da família… mas a música é a coisa que me dá motivos para estar vivo e que e que me dá vontade de continuar a descobrir. E através da música toda a minha vida se moldou, porque o foi através da música que conheci muitas pessoas e que estive em certos lugares onde aconteceram coisas importantes para a minha vida. Foi praticamente tudo relacionado com a música. É mesmo assim uma coisa central na minha vida.

 

2. O Tugabeat começou por ser uma expressão, mais uma piada entre nós, Retimbrar. A primeira vez que nós pegamos no ritmo tradicional português que era a chula: “pão pão, pão… pão… pão, pão, pão”. A primeira vez que pegamos nesse ritmo e começamos a orquestrar e a desenvolver e arranjar outras células em que misturávamos com ritmos africanos… Mas a primeira vez que começamos a trabalhar, o primeiro ritmo de todos, chamamos-lhe Tugabeat. Isto também surgiu porque eu…, ainda adoro, mas na altura andava muito obcecado a ouvir Afrobeat do Fela Kuti e então era tipo “yeah, isto é o Tugabeat”. Mas depois, e aquilo era só o nome de um ritmo para nós, mas depois com com o tempo, com o passar do tempo e principalmente quando tivemos de começar a mostrar fora de Portugal, tipo o que é que nós fazemos? Tipo, “o que é que fazes? É fado?”. “Não”. “Música tradicional”. “Não, não é bem isso”. Tipo, que é o que é? Bem, é Tugabeat … que é, para mim, e acho que já não é só o que nós fazemos, hoje em dia o que eu acho que o Tugabeat pode ser… é tipo um carimbo para a música portuguesa, tipo de raiz portuguesa que não é o fado, não é? Há toda uma outra música mais rítmica, mais baseada em danças e em padrões rítmicos e etcétera, e há montes de grupos, tipo agora e já há muitos anos, não é? Desde o Zeca Afonso, que se desenvolve música tradicional portuguesa que não é o fado, e que eu acho que o Tugabeat que pode ser uma boa uma boa marca para mostrar ao mundo o que é a batida portuguesa que é isso, o Tugabeat é a batida portuguesa e eu acho que… É isso, começou por ser o nome de um ritmo. Depois passou a ser aquilo que a gente chama, ou que a gente ou que nos, tipo, ao som que nós tocamos chamámos o Tugabeat e eu acho que hoje em dia, até já pode ser mais do que o nosso. Aliás, eu há duas semanas ou três semanas, havia outra banda portuguesa que meteu o disco novo e não sei quanto e “hashtag #Tugabeat”. E eu “yes, é isso que é”. É música portuguesa inspirada na raiz e que não é fado, e que tem uma coisa mais rítmica e eu acho que o Tugabeat pode ser uma forma de mostrar ao mundo mais música portuguesa… tipo nós fomos muitas vezes tocar ao estrangeiro, mas sempre que formos acontece aquela coisa de “ei pá, não, não é só fado em Portugal” tipo há aqui uma música forte com bombos e percussão. Pois, mas parece que ninguém conhece, sabes? E então eu acho que o Tugabeat pode ser uma plataforma de exportação de… ou um carimbo, não é? Uma marca de exportação de música portuguesa além do fado, que tem o seu lugar, óbvio, mas há tanta outra coisa que também merecia ser mostrada ao mundo, e acho que o Tugabeat é o carimbo.

 

3. Então, a Maçãzinha teve origem num período em que nós ouvíamos… Nós, para além de ouvirmos muitos discos e cassetes, dentro da nossa pesquisa também irmos dar a recolhas e uma série de arquivos, uns têm mais a ver com as parcerias que nós vamos desenvolver, outras têm a ver só com a nossa busca pessoal, e a Maçãzinha acho que está algures entre os dois. É uma música que nós em percursos que fizemos de carro, que ouvíamos muitas vezes numa das cassetes que eu tinha num carro, e que nós namoramos durante muito tempo, e ela pertence a um a compilação de um rancho folclórico de Silvares, pelo menos onde nós a conhecemos – no Fundão – sim, um rancho folclórico do Fundão. E ao contrário de outras músicas que compõem o último disco que produzimos, ela não resultou… não viemos a conhecê-la a partir de um grupo particularmente. Era uma música que já vínhamos a ouvir e que durante a pandemia, nos lembrámos outra vez dela, a propósito de uma coisa muito casual: uma amiga fazia anos e nós íamos fazer uma sorpresa onde os nossos companheiros de banda chamava a namorada, essa amiga, muitas vezes de maçãzinha. E nós pensámos: “E se pegássemos na maçãzinha para oferecer, para oferecê-la tocada e cantada por nós?” Temos que reescrever a letra e tal… E assim que fizemos esta oferta, parece que ela passou a fazer sentido nas nossas vidas ou no… pensamos como não incluí-la no reportório que tocamos, a propósito de estarmos a fazer este disco, Levantar do Chão, e esta música rapidamente passou a fazer sentido, e depois dela ser uma oferta passámos a pensá-la para nós. O que é que faríamos com ela para a gravarmos num disco, então levou novas voltas, voltamos a escrever novos versos para ela, passou a ter um refrão que não tinha… Portanto é uma música popular que aparece no reportório de um grupo etnográfico português, e que nós entretanto transformámos a pensar na lógica também do que o nosso disco foi. Uma série de colaborações com vários grupos que fazem parte do nosso percurso, muitos intercâmbios musicais, e nós tentamos contactar o grupo, neste neste caso o processo era o contrário, dizermos a este grupo: “Olha, vocês têm uma canção na qual nós gostávamos de mexer, o que é que vos parece?”. Aí acho que entras tu a dizer que – sim, eles não, eles não comunicaram muito, mas é isso. Foi uma música que basicamente, só mantivemos a melodia, o tatatara rarara, porque tudo o resto… o refrão foi feito de novo, a rearmonização, a letra foi completamente nova… Acrescentámos um refrão que não existia… Aquela gravação foi tipo uma… é óbvio que se não existisse a música não existia, mas era uma gravação muito engraçada que nós sempre adoramos, e a música tem um compasso irregular, de cinco tempos, que não é muito comum. Isso também me intrigou, este… que não é comum ver, sendo um grupo mais popular. Eu achei aquilo assim meio intrigante e acabamos por pegar na música e transformámos, e ela cresceu sozinha. E sim, foi naquela… foi mesmo na primeira semana da pandemia, foi mais ou menos no dia doze de março, que toda a gente ficou em casa. E nesse fim de semana, de treze e catorze… foi nos primeiros dias em casa que fizemos aquela maquete. Um uquelele, um órgão, aquela batida, aquele baixo… Foi ali que fizemos aquele arranjo. Ainda era com a letra lá para a nossa amiga, depois a letra foi mudada, mas foi ali que já que se montou – que se montou assim um primeiro esqueleto – foi assim, aquela… como é que se diz? A faísca. Foi aquela faísca. Foi tipo “Olha! Ela domingo faz anos, arranja aí uma prenda! Porquê? Vamos fazer a música?”. “Vamos, nós só temos dois dias ou três”. “Está bem”. E fizemos. E depois… “Está fixe, vamos manter”. Foi assim.

 

4. – A colaboração com a Uxia foi uma surpresa no caminho, porque, próximo da nossa participação no Womex, que foi uma feira internacional de música que aconteceu no Porto em 2021, houve uma série de propostas para o concerto de abertura dessa feira entre as quais estava uma em que nós também fizemos uma proposta, e depois a nossa proposta foi aceite quase inteiramente com algumas alterações, e uma das alterações era a possibilidade de nós termos alguém como convidado na nossa pequena participação, e então surge a Uxía como alguém que podia tocar connosco nesse concerto de abertura e para nós foi assim uma… uma surpresa como eu vinha a dizer.

_Para dizer a verdade, não foi uma ideia nossa. Foi, ou seja, noutra candidatura para esse concerto, que era da Banzé, havia a proposta de a Uxía participar connosco, e depois eles foram buscar a ideia a outra candidatura e juntaram tudo na mesma e disseram-nos “Olha, ok, vocês vão tocar com a Uxía” e foi assim que a conhecemos. Foi porque outra pessoa teve uma ideia. E depois correu tão bem o concerto e ela… pronto, tipo demo-nos tão bém, e ela caiu tão bem no nosso grupo, que depois ficou aquela sementinha e nós já estávamos a gravar o disco aí, então alguns meses depois ligámos… “Nada, tem aqui uma música que se calhar, era fixe, que fala sobre duas gerações, ou tipo os pais e os filhos, ou tipo os avós e os netos, e se calhar tu podias representar esta geração mais velha e tal”. E ela aceitou logo. E depois ainda viemos a dar um concerto juntos no ano passado – na festa do Avante – na festa do Avante, sim. Por isso já ficou aqui uma relação, e já entretanto, já criámos uma música nova original com ela, e também havemos de gravar… por isso é uma parceria que vai dar mais frutos.

 

5. A minha ideia…, eu gosto muito da Galiza. Embora ainda conheça poucos pontos. O sítio onde mais fui foi às Termas de Lóvios, o banho. O banho era uma tradição de passagem de ano. Mas eu tenho a ideia de, ó pá, na Galiza a cultura popular e tradicional ser bem mais desenvolvida e comum do que do que em Portugal. Se calhar é uma fantasia minha mas eu tenho a ideia que na Galiza quase toda a gente toca, ou há muita gente a tocar e há uma profissionalização maior. Há um curso superior, acho eu, em Santiago de instrumentos tradicionais, portanto está mais sistematizada, também o ensino. Há mais construtores de alta qualidade, até que há muitos portugueses que compram instrumentos na Galiza, tipo tambores e pandeiretas, que aqui estamos um pouco atrasados. Há gente a tocar, há gente a construir, há gente a ensinar, mas tenho a tenho a impressão que na Galiza já é mais tipo… sistemático acho que é uma boa palavra, acho que está mais organizado e logo dá mais frutos, há mais gente a tocar, há mais… Aqui parece que, pronto, pelo menos o contacto que eu vou tendo e as experiências que eu tenho, parece-me que ainda há tipo uma pessoa aqui, outra pessoa acolá… não é tão cultural as pessoas tocarem e desenvolverem a música tradicional. Eu tenho esta impressão. Posso estar errado. E a relação com a música portuguesa e também outra coisa que eu tenho a noção de que os galegos adoram música portuguesa, tenho essa noção… Nós fomos tocar uma vez à Galiza, fomos tocar na TV Luar, no programa mas… que era os 25 anos. – Sim, e tinha curadoria de um construtor que era o Pablo Carpintero. Pois foi para eles fazia sentido um grupo como o nosso encaixar-se naquela rúbrica que o programa tem. – Mas isto era para dizer que estamos com muita vontade de tocar mais na Galiza, de pronto, e temos esta oportunidade agora na gala, amais antes disso vamos tocar em Tui. Vamos tocar em Tui agora, este mês de setembro, é no MUMI, uma feira de intercâmbio de música portuguesa e galega, e vamos tocar em Tui numa praça, e tenho muita vontade tocar mais na Galiza. Acho que as pessoas vão gostar, e nós também.

 

6. Com certeza, tem as suas vantagens, e exemplos como este do MUMI, que é uma feira mesmo já de intercâmbio, as bandas portuguesas vão tocar em Tui, as galegas vêm tocar a Valença, esse tipo de intercâmbios, não só pelo mercado de expandir o mercado e de tocar mais vezes lá, mas mesmo por desenvolver a cultura, tipo no nosso caso, que é a música. Quanto mais nós conhecermos da Galiza, se calhar mais elementos vamos incorporar na nossa música, mais fácil é também para vocês consumirem a nossa música, e vice-versa, não é? Aqui, eu tenho a impressão que aqui, quem eu conheço que houve música galega, é só a moda do folk e da música tradicional, e se calhar podia haver outro tipo de eventos e aquilo. E isso é que se abram mais as fronteiras, e que se se circule mais de um lado para o outro. Acho que só têm vantagens, não é? – Eu curiosamente estive no último mês e meio em dois eventos que procuram promover essa relação, um deles é o Sons do Noroeste, em Braga, e o outro, onde nós tocámos, o Folk Celta, em Ponte da Barca. Eles também fazem questão de programar bandas galegas, portuguesas, galegas, portuguesas… E sente-se nessas iniciativas a ideia de continuar a estimular essa relação e a promover encontros e a encontrar nestas relações, encontrar frutos, não é? É a continuação de uma cultura que se encontra ao longo do tempo, a cultura que está constantemente a evoluir. Acho que ela existe mesmo que seja mais circunscrita, não é?, no nosso caso nós temos contacto com a música. Eu não sei se na literatura não haverá também mais encontros e mais… mas é importante porque somos muito próximos e há afinidades pessoais e humanas que se sentem, e culturais algumas, pelo menos a história tem-nos ensinado isso, mas precisamos de pretextos, não é? E é muito bom, finalmente, ao fim de tantos anos próximos, estarmos finalmente a chegar mais perto.

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GL