Eva e Lilith

Nuno Júdice

Eva e Lilith

Aqui estão, sentadas no mesmo sofá, bebendo
pela mesma taça de vinho, ouvindo a mesma
música, e soltando com dedos cansados os cabelos
que o suor colocou à testa;

aqui estão, com a mesma voz enrouquecida pelo
tabaco dos séculos, com as mãos já cansadas
de procurar outras mãos, com os olhos embaciados
da luz que insiste em apagar-se;

aqui estão, não sabendo já se semidespidas
ou semivestidas, procurando saber se ainda é noite ou
se o dia já chegou por trás dos vidros sujos de
tantas eternidades de sono;

aqui estão: e só um riso que não sabem de onde vem
as desperta, só a palavra que uma delas esperava as
sobressalta, só o apelo de uma luz que por um instante
brilhou, e logo se esfuma, as

obriga a viver, esperando um dia, e outro
dia, sem que nenhum dia venha.

A convergência dos ventos.
D.Quixote, 2015, página 3.

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