Sérgio Godinho
A cada degrau
A cada degrau
a cada degrau escrevo
a cada degrau escrevo erva
a cada erva escrevo pedra
a cada pedra o reconhecimento
quem por ela pisa pisou.
O som por vezes inaudível
dos nossos próprios passos
em diferentes horas do dia
a mudança de hora
diferentes sapatos nos pés
borracha e sola
pequena escalada cumprida
em dias de promessas e compromissos
nem sempre alegremente vigentes
úteis porque inúteis
a subir a descer
a descer a subir
no fio das expectativas.
O rosto transfigurado ao entrar em casa
não diz tudo
sobre a erva que nasceu entretanto
nos degraus. Ervas daninhas ervas doces.
Anos a fio sola e borracha.
Quem por ela pisa pisou.
O rosto transfigurado.
A roleta do destino a descumprir-se.
Cada degrau da escada.
Palavras são imagens são palavras,
Quetzal, 2021, pp. 8-10.